A ÁGUA CORRE...
10.04.2020
I
Abro a torneira e a água corre
Sobre o lavatório
um sabonete de lavanda
invade o espaço com um aroma divino
Abro a torneira e a água corre
O duche lança-me uma nuvem de vapor
o calor percorre-me
julgo navegar no paraíso
No quarto
os armários parecem pequenas cabanas de campo
lá dentro,
onde nasceu um pronto-a-vestir e uma sapataria
o conforto cheira a floresta
Da janela do meu quarto alcanço a serra
as urzes e as giestas parecem galopar
dentro do meu quarto
os zimbros e as azinheiras enfeitam-me a vidraça
Da minha sala
contemplo o mar
os navios dizem-me adeus
e as gaivotas desfilam só para mim
Abro a torneira e a água corre
na cozinha,
a mesa do café transborda de iguarias
a manteiga fervilha sobre o pão
e o perfume dos bolos entontece as narinas
Mas estou isolado
confinado neste espaço lúgubre
abro a torneira e a água corre
o quarto é um luxo
a sala o paraíso
a cozinha o celeiro da nação
mas estou só
em confinamento
isolado, triste, estressado.
Abro a torneira e a água corre...
II
Uma ratazana agigantada
ganhou estatuto de cachorro
as crianças brincam com ela
como se fosse um animal de estimação
As ruas enfeitam-se com lixo
os detritos multiplicam-se
com a força das ervas daninhas
e vão dominando o espaço em redor
Os dejectos humanos pululam
pelas bermas das imitações de estradas
e pelas valas das estradas imitadas
escorrem líquidos inclassificáveis
As famílias cirandam pela falta de higiene
como se passeassem num parque ajardinado
As tendas, uma espécie de casernas improvisadas
suspendem a respiração e gritam em sufoco
lá dentro,
não corre água
não existem florestas
nem azinheiras
nem janelas
nem mares
nem navios
nem tédios
nem estresses
nem vidas
nem nada
nem...
Páscoa, passagem?!...
Há ressurreições por cumprir!
Abro a torneira e a água corre...
Vai tudo ficar bem!
Fernando Alagoa © todos os direitos reservados
Abro a torneira e a água corre
Sobre o lavatório
um sabonete de lavanda
invade o espaço com um aroma divino
Abro a torneira e a água corre
O duche lança-me uma nuvem de vapor
o calor percorre-me
julgo navegar no paraíso
No quarto
os armários parecem pequenas cabanas de campo
lá dentro,
onde nasceu um pronto-a-vestir e uma sapataria
o conforto cheira a floresta
Da janela do meu quarto alcanço a serra
as urzes e as giestas parecem galopar
dentro do meu quarto
os zimbros e as azinheiras enfeitam-me a vidraça
Da minha sala
contemplo o mar
os navios dizem-me adeus
e as gaivotas desfilam só para mim
Abro a torneira e a água corre
na cozinha,
a mesa do café transborda de iguarias
a manteiga fervilha sobre o pão
e o perfume dos bolos entontece as narinas
Mas estou isolado
confinado neste espaço lúgubre
abro a torneira e a água corre
o quarto é um luxo
a sala o paraíso
a cozinha o celeiro da nação
mas estou só
em confinamento
isolado, triste, estressado.
Abro a torneira e a água corre...
II
Uma ratazana agigantada
ganhou estatuto de cachorro
as crianças brincam com ela
como se fosse um animal de estimação
As ruas enfeitam-se com lixo
os detritos multiplicam-se
com a força das ervas daninhas
e vão dominando o espaço em redor
Os dejectos humanos pululam
pelas bermas das imitações de estradas
e pelas valas das estradas imitadas
escorrem líquidos inclassificáveis
As famílias cirandam pela falta de higiene
como se passeassem num parque ajardinado
As tendas, uma espécie de casernas improvisadas
suspendem a respiração e gritam em sufoco
lá dentro,
não corre água
não existem florestas
nem azinheiras
nem janelas
nem mares
nem navios
nem tédios
nem estresses
nem vidas
nem nada
nem...
Páscoa, passagem?!...
Há ressurreições por cumprir!
Abro a torneira e a água corre...
Vai tudo ficar bem!
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