domingo, 3 de maio de 2020

Diário de um tempo estranho (04/04/2020)


DEUSES COM PÉS DE BARRO
04.04.20

Máquinas de horrores engalanadas com estrelas da morte, desfilam sob o olhar atento da ignorância.
Percorrem campos de asfalto construídos sobre vidas de lágrimas e almas famintas.
No palanque, figuras insípidas de homo erectus, de órbitas arregaladas e mentes diminutas, desvendam esgares de felicidade.
Mais tarde, em almoços faustosos surripiados ao povo, hão-de gabar-se da força destrutiva dos seus brinquedos, vomitando fumo roubado à boca dos seus concidadãos.
Lá fora, a vida segue aos soluços entre tormentas e esperanças mortas.
Saúde, educação, justiça... sobrevivem em histórias de agonias intermináveis. Milhões definham com salários de miséria e ambições de coisa nenhuma.
Os homo erectus pavoneiam-se em bólides de última geração, enfiados em tecidos luxuosos que dariam para alimentar milhares de olhos esfomeados.
As suas fortunas, vibrantes, discutem-se em Torres de Babel que, qual monstrengo, rodopiam três vezes sobre si mesmas e acumulam-se em retângulos de usura e agiotagem. À sua passagem consomem mares, e rios, e florestas, e vidas, e almas, numa avidez gananciosa sem fim.
Os pequenos homos erectus rejubilam, extasiam, rebolam!
O povo chora, grita, suplica!...
Os crimes cometidos contra a humanidade não cessam. O planeta reinventa-se. Basta um ser pequenino, microscópico, para revelar todas as fragilidades humanas, mas também a canalhice, a ganância, o desprezo pelos outros, a impiedade infinita.
A impotência de um poderoso Golias perante um insignificante David chega a ser patética. O elefante nada pode contra a pequeníssima formiga. Onde estão agora os homo erectus e os seus brinquedos de destruição? Onde estão as fortunas onzeneiras salvas por servos obedientes?
A ciência, a educação, a segurança, as artes, ganham contornos angélicos. Descurados, depauperados, esquecidos, marginalizados, são agora a esperança da humanidade. Sempre o foram, mas os vendilhões do templo esquecem depressa os ensinamentos da história.
Se a esperança não morrer antes de nós, talvez a desgraça nos ilumine o caminho.

Fernando Alagoa © todos os direitos reservados

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