segunda-feira, 11 de maio de 2020

Diário de um tempo estranho (03/05/2020)


03.05.2020

Se eu pudesse abraçar a Terra toda
beijava-a muito, até me cansar
depois transportava-a comigo, ao colo,
junto ao peito para a mimar
dizia aos pólos para não serem muito gelados
porque o frio faz-me cócegas na barriga
e depois põe-me a espirrar
De vez em quando brincava com ela
atirava-a ao ar
apanhava-a com firmeza
para a voltar a lançar
e imitar a proeza
rebolávamos pelo espaço sideral
caminhávamos descalços pelo manto celestial
e gritávamos palermices à Lua
porque ela não sabe,
pobrezita...
mas está sempre nua
e ríamos sem parar
Depois, acertava a gravidade
para afinar as rotações
aprumar a translação
e regular as estações

Na primavera,
havia de limpar os oceanos
filtrar as águas
escovar os corais
corrigir as correntes
conversar com as baleias
varrer as praias
limpar os areais…
sacudir os rios
limpar as folhagens
reorientar as cascatas
e ajeitar as margens

No verão,
entretinha-me a brincar com as florestas
penteava as baobás africanas
para estarem sempre sorridentes
e viçosas para os animais
Na Amazônia pintava algumas árvores
com as cores do carnaval
só para ver os índios sorrir
da minha patetice
naquele seu ar angelical
Na floresta boreal
construía bonecos de neve, anafados,
carrancudos,
para divertir as renas do Pai Natal

No Outono,
reorientava o Sol
reciclava a vida
projectava as rajadas e os ventos
desenhava a transição
pintava as árvores com amarelos enegrecidos
vermelhos garridos
e só por brincadeira,
havia de colocar-lhes agasalhos
mantas de retalhos
ou coisa parecida

No inverno,
arrumava os pólos
colava os icebergues bem coladinhos
e empilhava a neve
em montes bem juntinhos
para diversão dos ursos, dos pinguins, das focas
e dos leões-marinhos

Quando já fosse velhinho
sentava-me num banco do jardim espacial
e limitava-me a contemplar a Terra
dizia até amanhã à Lua
essa irmã mais pequenita
até adormecer

Depois da vida, em sonhos
havia de continuar a ver a Terra brilhar
Porque ela ainda por cá há-de ficar
generosa, bela, acolhedora
Mãe protectora!

Muito depois de nós
muito depois!...

Fernando Alagoa © todos os direitos reservados

Sem comentários:

Enviar um comentário

A Casa Convida - 20 de janeiro